Pois que vantagem há em suportar açoites recebidos por
terem cometido o mal? Mas se vocês suportam o sofrimento por terem feito
o bem, isso é louvável diante de Deus. (I Pe 2:20)
Se alguns frequentassem determinadas igrejas eles jamais se
converteriam ao cristianismo. Em certas instituições religiosas há
desprezo pelo pensar. Os que sentem necessidade de saber o porquê das
coisas e rejeitam a possibilidade de se sentirem indoutrinados, goela
abaixo, sem que tenham a oportunidade de argumentar, criam repulsa ao
fenônemo religioso que se alastra pelo Brasil. Muitos não se
converteriam no ambiente que diz: Creia porque estou dizendo; não
especule, não questione, aceite apenas. Um lugar onde se exige
obediência cega, onde é proibido o exercício do bom senso, pode crescer
em membresia, ser bem sucedido financeiramente e sofrer, inclusive,
cooptação das forças políticas, mas jamais pode considerar-se
legitimamente evangélico. Se você foi a uma dessas igrejas e não se
converteu, parabéns. Você tem toda razão de reagir como reagiu. Eu
também não me converteria.
Igreja que apequena debate, que se volta para questiúnculas e
enfatiza pormenores irrelevantes do tipo mulher deve usar cabelo
comprido ou curto? pode pintar as unhas com esmalte vermelho, azul ou de
cor nenhuma? tem permissão de usar calças compridas? Além do debate em
si ser ridículo, o mundo nunca mudará através das rédeas curtas desse
legalismo coercitivo, dessa demagogia farisaica ou dessa piedade
fundamentalista. E se existe um Deus preocupado com tão intrincada rede
de pode-não-pode, melhor mesmo nem se aproximar dele. Como imaginar
Jesus morrendo na cruz, e os mártires da igreja adubando com seu sangue o
solo de Roma para que a pauta mais relevante dos seguidores de Jesus
fosse essa?
Converter-se à fé se tornou crescentemente complicado nos ambientes
piegas, das frases prontas, dos chavões sovados e reciclados que jamais
favorecem a experiência numinosa do sagrado – na melhor das hipóteses,
produzem alucinação.
A pressão do mercado apressa os pastores na busca por projeção. Esse
anseio gera comunidades simplistas. A complexidade da vida, com todos as
implicações que as escolhas trazem, não comportam respostas simplistas.
Um jargão preocupante se difundiu entre os neopentecostais: Está
amarrado em nome de Jesus! Essa amarração pretendia conter desde as
investidas de Lúcifer às situações corriqueiras que nos afligem como
gripe, trânsito engarrafado e problemas na justiça. (todavia, alguns
divulgadores da frase não conseguiram evitar a cadeia)
Uma pitada do que acorre na enorme maioria das igrejas que se
pretendem evangélicas dá ideia do grau de rejeição que elas podem gerar:
Todos a uma só voz digam: Amém.
Foi fraco ou não ouvi direito? Quero um sonoro Amém.
Todos, mais alto e pausado para afugentar o diabo, gritem Gloria a Deus.
Vou orar para que Deus coloque um círculo de anjos num raio de cinco quilômetros e o diabo não vai se aproximar.
Diga para quem está do seu lado: o ambiente está limpo, agora podemos louvar a Deus.
Evangelho é simples sem carecer desses artifícios simplistas e toscos.
Ora, quem se sente alegre não precisa gritar para potencializar sua
felicidade; e o triste não mudará seu estado melancólico por meio de
catarse temporária. Culto a Deus não depende de que todas as pessoas
sorriam. Não há erro em estar abatido. Higienizar o ambiente para que o
diabo não perturbe é tão medieval que chega a constranger. Essas
técnicas de manipulação de massas se evidenciam em cada louvorzão, em
cada conferência profética em cada congresso pentecostal. Tal suspensão
temporária do senso crítico causa espécie por vulnerabilizar o povo a
inescrupulosos mercadejadores do sagrado. Em muitos ajuntamentos, o
pobre é extorquido até o último centavo do que possui nos bolsos ou na
conta bancária. O resultado é que o Brasil já tem líderes de igrejas
donos de aviões a jato, bancos, redes de rádio e televisão; alguns com
cacife para eleger senadores, negociar comissões no Congresso e apontar o
candidato à vice presidência de República. Nesse embalo, o projeto
teocrático deixa de parecer impossível e, claro, preocupa.
A pergunta é inevitável: Então, por quais cargas d’água você se converteu e por que eu deveria me converter?
Converti-me porque a mensagem que me apresentaram soou racional e
lógica o suficiente para satisfazer o meu intelecto e poderosa
espiritualmente para impactar a minha vida. Eu cri invadido pela Graça. O
Evangelho também indicou o caminho para algumas perguntas que eu já
guardava: Deus? Bem? Maldade? Vida? Quem sou eu? Por que estou aqui?
Se na filosofia naturalista e no cientifismo moderno, eu era apenas
um acidente cósmico, se no sistema oriental hindu e budista, mera
emanação do todo divino – panteísmo – e se no espiritismo kardecista,
espírito aprisionado a um corpo, cumprindo a lei do karma, a mensagem de
Jesus me soou contundente, bonita e nobre: Eu sou a imagem de Deus que é
amor. Ele me chamou de amigo, irmão, filho.
A resposta cristã para estupros, tráfico de drogas, clínicas
psiquiátricas abarrotadas, embora não seja uniforme, mas cheia de
controversias, me bastou. Quanto mais me aprofundei nas questões da
justiça e da denúncia do pecado sistêmico que perpetua a miséria, eu vi
que o número de opiniões e era proporcional ao número de denominações e
escolas teológica. Os apontamentos cristãos para a solução do maior de
todos os enígmas: Por que sofre o justo? eram conflitantes. Contudo,
nesse emaranhado de argumentos a mensagem do Sermão do Monte me abalou.
As palavras ali registradas me pareceram as mais humanas e mais
desafiadoras que eu lera. Se no conceito oriental o mal e o bem se
fundem numa só realidade, se no conceito espírita o mal se liga ao
aperfeiçoamento, no que entendi do ensino de Jesus, o mal extrapola
todas as abordagens. Ele tem que ser combatido. O mal decorre da
liberdade. Fomos criados por Deus para a liberdade. Muitas vezes nos
valemos dessa vocação para destruir. O mal é um acinte, jamais tolerado
ou compactuado por Deus que interpela, sem cessar, homens e mulheres
para enfrentarem todas as formas de antivida como suas mãos, pés e boca.
Deus é amor. Bondade existe no universo não como acidente, mas como
intenção de um Deus eternamente amoroso e justo. João afirmou em sua
epístola universal que todo aquele que ama é nascido de Deus. No amor ao
pobre, não no cerimonialismo que exalta a liturgia, encontramos o rosto
de Deus. No amor ao excluído, não no dogmatismo que glorifica a
doutrina, somos tocados pelo divino. No amor ao estranho – o estrangeiro
– não no institucionalismo, nos colocamos no caminho da verdade.
Converti-me porque tive a felicidade de ser anterior ao besteirol que
se alastrou no movimento evangélico brasileiro nas últimas décadas;
converti-me porque cri no Deus que amou o ser humano de tal meneira que
não hesitou em continuar querendo bem mesmo diante do sacrifício de seu
Unigênito – Jesus Cristo. Continuo no caminho, apesar de não ter
alcançado resposta final e decisiva para todos os meus questionamentos –
e isso é muito bom. Sinto-me ainda devedor ao projeto de vida que ele
propôs. Continuo a desejá-lo, sabendo que nesse caminho encontro vida
eterna.